Depois daquele fim de semana grudada ao telefone, Vermelho começou a desistir da possibilidade de receber uma ligação de Laranja...
*Link cérebro feminino – nós, mulherzinhas, quando estamos nesta fase de “eu me odeio, ninguém tem interesse em ligar para mim, sou a últimas das espécies femininas, estou gorda, com uma espinha no meio da testa e ainda por cima não tenho nenhuma calcinha que não seja de algodão” é coincidentemente o mesmo momento em que pensamos em comer o mundo com catchup (e comemos!) e vestir moletom...
E naquela quarta-feira seguinte, Vermelho foi trabalhar de moletom e tênis...passou um dia calmo, com chefe ausente, poucos telefonemas e muita comilança...eis que saindo do trabalho, Vermelho resolveu passar no supermercado para fazer pequenas compras... comprou um desodorante, um pacote de pão integral, algumas verduras e massas prontas (faria aquele macarrão assim que chegasse em casa, comeria muito e dormiria de consciência e barriga pesadas)...enquanto esperava na fila do caixa, um número desconhecido liga em seu celular...
Não esperou tocar duas vezes – filas, pessoas observando e toque de celular muito cheio de personalidade são pratos cheios e animadores para uma espera em fila....
- Alô? – disse sem interesse.
- É o celular da Vermelho?
Sem cogitar o motivo de seu recente desespero, respondeu com desdém...
- Sim, sou eu...quem fala?
- Sou eu, o Laranja, aquele cara intrometido que você conheceu no meio da semana passada, lembra?
O coração de Vermelho disparou, a boca ficou seca, o rosto enrubesceu e a voz quase saiu trêmula (não fosse o enorme esforço para parecer natural).
- Claro que lembro, e aí? Tudo bem? – Vermelho respondeu sentindo-se um pouco infantil...
- Melhor agora!!! – respondeu Laranja achando graça de sua resposta estilo canalha-encantador... – Tô brincando, você está podendo falar ou prefere que eu ligue mais tarde?
Sem pensar em nada, Vermelho respondeu rapidamente...
- Não, quer dizer, tô podendo falar sim, to só terminando umas compras no supermercado...
- Ah! Sim...qual supermercado?
Sem entender o porquê da pergunta, Vermelho respondeu desconfiada de que ele poderia estar por perto observando seu nervosismo...
- No XXX do bairro X – respondeu olhando para os lados...
- Nossa, que coincidência, é do lado daqui de casa – ressaltou Laranja, entusiasmado com a feliz coincidência.
Querendo evitar um encontro naquele momento “mulher nada atraente” - sem maquiagem, cabelos desgrenhados, sem perfume, de moletom e tênis – Vermelho apenas sorriu sem graça...
E Laranja, não querendo dar brechas para a sorte escapar...completou rapidamente.
- Me espera aí na porta, que já já eu te encontro, daí a gente conversa melhor...
Um tanto confusa e nervosa, Vermelho respondeu.
- Ok, te espero então...
*Link cérebro feminino – nada é pior, para nós mulherzinhas, que um encontro inesperado quando estamos despreparadas, entretanto, nada é melhor que um encontro inesperado quando estamos esperando desesperadamente este encontro...
Ainda faltavam duas pessoas passarem as compras na frente de Vermelho, e ela, mesmo com vergonha, precisava, urgentemente, passar ao menos gloss e blush para não se sentir tão mal. Ajeitava-se rapidamente no espelhinho do estojo de blush, quando a senhora detrás na fila disse:
- Você está ótima, não precisa se preocupar...ele vai adorar!!! – disse como quem escutara toda a conversa e soubesse bem o que dissera.
*link cérebro feminino – nós mulherzinhas somos muito solidárias quando vemos outras mulheres aflitas e, mesmo sabendo que estamos sendo intrometidas, não deixamos de dar palpites ou de se sentir grata quando outras mulheres nos elogiam.
- Obrigada, estou mesmo ansiosa! – respondeu Vermelho timidamente...
No momento em que passava as compras pelo caixa, apareceu Laranja – lindo, andar tímido, estilo “estou pronto para uma caminhada ou para uma balada”, com a barba por fazer, cabelos ainda molhados e usando um perfume irresistível. Logo que viu Vermelho no caixa, abriu um largo sorriso e soltou...
- Enfim te achei, nossa que mulher difícil viu? – brincou com Vermelho, direcionando a descontração para a moça que passava as compras.
Com um abraço tímido e uns beijinhos de cumprimento, Vermelho quis justificar suas vestimentas...
- Ei, tudo bem? Nossa, nunca imaginei te encontrar assim, toda desarrumada, saindo do trabalho e fazendo compras – explicou ela, sem disfarçar o nervosismo.
- Até parece, você está linda como sempre, aliás, como da outra vez – disse Laranja, querendo quebrar o gelo...
Um pequeno intervalo no assunto e Laranja emendou.
- Então, alguma programação para hoje?
- Não, nada...alguma sugestão? – perguntou Vermelho, logicamente querendo marcar algo para depois de um belo banho, com direito a perfume, conjunto de calcinha e sutiã novo, uma bela maquiagem e um vestido preto com decote...
- Hummm, deixa eu pensar...Pensei! Eu duvido que a gente faça essa massa juntos...lá em casa ou na sua casa? – sorriu cara de pau...
- Sério? Bom, então sugiro lá em casa...depois que eu tomar um banho, claro!
- Ok! Mas posso te seguir até sua casa, né? Daí eu coloco a água para ferver enquanto você toma banho – disse Laranja, com uma intimidade de anos de convivência...
Vermelho se assustou com a pressa do rapaz, claro! Mas o que poderia fazer? Deixar passar a oportunidade? Lembrou-se da bagunça da casa, da poeira nos cômodos, mas não havia outra opção naquele momento...ir para a casa dele? E o banho? O perfume? O Vestido? Nem cogitou o fato de que pior seria ir para a casa de um “quase” desconhecido.
- Tudo bem, então vamos?