Era uma tarde de domingo cinzenta e até um pouco fria...
Rosa acabara de romper com Azul, com quem até quatro dias atrás ela achava que iria casar e ter três filhos – Marrom-Camurça, o primogênito, que iria cuidar e zelar por Verde-Água, a mocinha de vestido joaninha, e Azul-Marinho, o caçula, a quem dedicariam a carreira de jogador de futebol...
E agora Rosa estava só...pensava em tudo o que haviam dito um para outro – as palavras rudes, entregues a gritos e choros, desrespeitos, ofensas, mágoas tolas...
Fechou um dos vidros da janela, observou as marcas de dedos engordurados no reflexo da luz, fechou e abriu os olhos lentamente...
“Ama
o poente e o amanhecer, porque não há utilidade, nem para ti, em amá-los. Veste
teu ser de ouro da tarde morta, como um rei deposto numa manhã de rosas, com
Maio nas nuvens brancas e o sorriso das virgens nas quintas afastadas. Tua
ânsia morra entre mirtos, teu tédio cesse entre tamarindos e o som da água
acompanhe tudo isto como um entardecer ao pé de margens, e o rio, sem sentido
salvo correr, eterno, para marés longínquas. O resto é a vida que nos deixa, a
chama que morre no nosso olhar, a púrpura gasta antes de a vestirmos, a lua que
vela o nosso abandono, as estrelas que estendem o seu silêncio sobre a nossa
hora de desengano” (Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, p. 338, 1888-1935).